Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
19 de Abril de 2024
    Adicione tópicos

    Juiz fala dos perigos do asfalto em artigo

    Este fragmento de texto iniciava uma crônica intitulada Os assassinos do asfalto, elaborada há 11 anos (17 de junho de 1997) e publicada no jornal A Tarde no Espaço do Leitor, quando criticava a situação alarmante e estarrecedora a que é submetida a maioria dos caminhoneiros no Brasil, que é obrigada a tomar rebite uma anfetamina estimulante - que é combinada com conhaque, Coca-cola ou café, para cumprir uma jornada desumana e perigosa imposta pelas empresas transportadoras. A droga, conhecida vulgarmente como prego, é encontrada em alguns postos de gasolina, lojas de conveniência espalhadas às margens das estradas brasileiras. Ela proporciona alívio e vivacidade ao motorista, mantendo-o aceso durante toda a jornada, dando-lhe, assim, as condições para cobrir um trecho longo em poucas horas. Ocorre, todavia, que o prego provoca alucinações e, como tudo na vida, tem um prazo de validade. Quando o efeito de vivacidade acaba, potencializa a vontade prazerosa de dormir e essa vontade muitas vezes aparece quando ele ainda está ao volante.

    O então presidente do Sindicato Interestadual dos Caminhoneiros Autônomos do Brasil, Osmar Gonçalves de Oliveira, concedeu uma entrevista em 1997 à revista Veja, na qual confessava que utilizara rebite durante 12 anos e que sofrera vários acidentes provocados por alucinações ou pelo sono. Ele relembra um acidente ocorrido com ele quando guiava seu caminhão e divisou à sua frente, vindo em sentido contrário, um navio que crescia à proporção que se aproximava, quando então tombou o caminhão, acrescentando, ainda, que por diversas vezes se deparou na estrada com caminhões e cavalos imaginários que apareciam subitamente na contra-mão. À época, precisamente no ano de 1996, foram registrados 115.000 acidentes nas estradas federais, dos quais 57.000 envolveram caminhões/carretas. Um conhecido caminhoneiro me confidenciava nessa ocasião: Numa reta, os motoristas rebitados normalmente usam uma flanela na testa e ficam doidões, mas o sono quando chega é gostoso e chegam a dormir de olhos abertos. O presidente dos Caminhoneiros Autônomos, Osmar Gonçalves de Oliveira, desabafava:

    Um caminhoneiro rebitado é um homicida. A via Dutra está cheia deles. Só um louco anda de automóvel naquela estrada à noite... as atuais condições de trabalho dos caminhoneiros os levam a não ter o menor respeito pela vida.

    Na época, lamentávamos um acidente envolvendo um ônibus da Águia Branca e uma carreta (responsável pelo acidente), no trecho que liga os municípios de Itabuna e Camacan BR 101 com vítimas fatais, e o acidente na via Dutra envolvendo a equipe de ginastas do Flamengo, no qual a treinadora da equipe ficou, salvo engano, tetraplégica.

    Na época, como um grito de alerta, afirmávamos que seria preciso encontrar soluções urgentes e racionais, e que não deveríamos calar, pois a omissão é o pior dos pecados e a vida humana merecia respeito. O presidente dos Caminhoneiros, Osmar, diante dessa situação estarrecedora, nos recomendava: Quando qualquer motorista cruzar com um caminhão ou carreta na estrada, pisque os faróis de seu veículo, pois o motorista daquele poderá estar dormindo ou com alguma alucinação. Quantas vezes tivemos que nos deslocar para o acostamento para nos livrarmos de um caminhão ou carreta que vinha em sentido contrário, na contra-mão?

    Pois bem, passados exatos 11 anos, a reportagem parece, mais do que nunca, atual. Os acidentes envolvendo caminhoneiros se multiplicaram nas estradas brasileiras e várias vidas humanas têm sido ceifadas ou mutiladas pelos verdadeiros predadores do asfalto. O advento da Lei nº 11.705/08, também conhecida como lei seca, a despeito de questionamentos sobre a constitucionalidade de vários de seus dispositivos, sem dúvida alguma vem contribuindo para diminuir o número de acidentes automobilísticos nas estradas. Os acidentes envolvendo caminhoneiros, no entanto, não diminuíram.

    No último dia 22 de agosto de 2008, guiava meu veículo Corola, em companhia de meus quatro filhos em direção a Salvador, em plena BR 101, percurso que habitualmente cumpro em 5:20h, aproximadamente, dependendo do trânsito. Antes de alcançar o trevo que dá acesso à cidade de Uruçuca, já havia passado por uma carreta tombada. Estávamos a subir uma grande reta, trafegando com uma velocidade aproximada de 90km/h, quando uma carreta scania, de cor branca, que vinha em sentido contrário, invadiu um pouco a minha pista. Neste momento, lembrei-me da recomendação do presidente dos caminhoneiros autônomos, Osmar, e pisquei os faróis do veículo, mantendo-me na defensiva e aguardando que o mesmo retornasse inteiramente para a sua mão. Todavia, eis que o caminhão passou a se aproximar rapidamente e a crescer na minha direção, tomando mais da metade da minha pista, quando, então, meu filho, Júnior, que estava no banco da frente, disse-me: Meu pai, ele vai bater na gente. Neste momento, guiado certamente pelas mãos de Deus, fui tomado de muita tranqüilidade e consegui com agilidade manobrar o veículo, jogando-o totalmente para o acostamento da minha mão, evitando, assim, que o mesmo viesse a colidir. Neste momento, creio que o motorista da carreta possivelmente tenha despertado, pois seu veículo não chegou a tombar. Ocorre, entretanto, que, devido às manobras bruscas e rápidas que fiz para evitar que ele nos atingisse, tentei retornar para a pista, todavia, o pneu do veículo, ao tocar na saliência que separa a pista do acostamento, começou a se desgovernar. Neste momento e já sabendo que não poderia freiar bruscamente, dei uma leve amortecida e gritei para que todos se segurassem. O veículo deu um rodopio no meio da pista e caiu de ré na outra mão, entre pedras e árvores, parando no meio do mato, espatifando os vidros traseiros e danificando totalmente a parte traseira, que teve perda total.

    Por um milagre de Deus, minha filha Danielle não morreu no local e nem ficou tetraplégica, pois, devido ao ricochete, fraturou violentamente a 2ª vértebra da cervical. Ela estava no banco traseiro, ao lado das irmãs Francielle e Michelle, sem o cinto de segurança. O equilíbrio de meus filhos Marcos Júnior e Michelle, que mantiveram Danielle imóvel, bem como o profissionalismo dos membros do Samu de Itabuna, que a retiraram do local completamente imobilizada, foram cruciais para mantê-la viva e sem seqüelas. No momento de desespero, a tentativa vã de levá-la para a beira da pista para pedir socorro poderia significar a diferença entre a vida e a morte, pois qualquer movimento mais brusco no pescoço poderia atingir sua medula. Minha filha Danielle, de 23 anos de idade, estudante de Direito e que ficou em 2º lugar no Concurso Miss Beleza Baiana de 2007, em Salvador, atualmente se encontra em casa com todos os movimentos preservados e utilizando um alovest que é um aparelho que é fixado no crânio com 6 parafusos para que ao final de três meses possa consolidar a fratura da 2ª vértebra. Ainda bem, graças a Deus, que não há nada a lamentar, só a agradecer pelo dom da vida.

    Ainda bem que estamos vivos para contar o fato, pois, por muito pouco, não haveria ninguém para relatar o que aconteceu realmente, e denunciar o fato, contribuindo para que vítimas inocentes não sejam colhidas violentamente em nossas estradas. Alguns blogs (que se alimentam da desgraça alheia) e alguns meios de comunicação, sem qualquer compromisso com a verdade, chegaram a noticiar que o juiz perdeu o controle e colidiu com uma carreta.... que no carro estavam o juiz e a esposa... e outros fatos sem qualquer veracidade..., entretanto, volto a gritar mais forte do que há 11 anos, quando escrevi a crônica assassinos do asfalto, para suplicar às autoridades de trânsito que exerçam uma fiscalização mais rigorosa sobre os caminhoneiros, coibindo a comercialização de rebite às margens das estradas, a exemplo do que já faz com relação aos motoristas que dirigem alcoolizados. É preciso que o Congresso Nacional elabore uma lei proibindo a utilização do rebite ou de outras drogas análogas nas estradas e que puna severamente também as empresas transportadoras que submetem os caminhoneiros no Brasil a uma jornada desumana e cruel, transformando-os em verdadeiros predadores do asfalto. Algo deve ser feito. Ontem foi a treinadora dos ginastas do Flamengo, no mês passado foi minha filha, amanhã poderá ser você, seu filho, um amigo ou um ente querido. A vida humana, repito, merece respeito. E o caminhoneiro que provocou o acidente? Não sei... já o perdoei... entrego a Deus. Um outro motorista, que vinha logo atrás de meu veículo, teve que ir para a contra-mão para não ser atingido pela carreta, mas não conseguiu gravar a placa. Nem precisava. Às vezes, precisamos aprender e crescer espiritualmente com nossas dores. Nunca a presença de Deus esteve tão presente em minha vida. Ele me concedeu uma bênção e preservou os meus verdadeiros tesouros. A minha gratidão aos médicos Cléber Cândido, Alcioni Mendes, Silvio Porto e Marcos Menezes, que atenderam com presteza e profissionalismo minha filha Danielle, bem como a todos os profissionais do Samu Itabuna, capitaneados pelo médico Teobaldo, à Polícia Rodoviária Federal, ao provedor da Santa Casa de Misericórdia de Itabuna, Renan Moreira, e a todos os amigos que oraram e nos confortaram neste momento difícil.

    Alguns conselhos úteis: 1) nunca permita que algum passageiro de seu veículo, mesmo aquele que está no banco traseiro, deixe de usar o cinto de segurança; 2) quando cruzar com um caminhão na estrada, mesmo que esteja tudo bem, pisque os faróis ou buzine, pois o motorista do caminhão/carreta pode estar dormindo ou com alguma alucinação; 3) em caso de acidente, nunca procure remover o acidentado do local; procure antes o socorro do Samu ou de profissionais e mantenha a pessoa acidentada imóvel, até que seja removido adequadamente; 4) valorize o Samu de sua cidade, denunciando trotes, bem como valorize os bons médicos de sua cidade; 5) visite o enfermo nos leitos dos hospitais de sua cidade e, acima de tudo, valorize a vida humana.

    Que Deus seja sempre louvado!

    Marcos Antônio Santos Bandeira

    Juiz da Vara da Infância e Juventude de Itabuna

    • Publicações7019
    • Seguidores361
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações74
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/juiz-fala-dos-perigos-do-asfalto-em-artigo/3190078

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)