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19 de Abril de 2024
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    O legislador e o aplicador da lei

    A morosidade da justiça brasileira é tema antigo e muito debatido em todas as esferas da sociedade, desaguando, dentre outras causas, na criação do CNJ, Conselho Nacional da Justiça, que vem determinando inúmeras providências aos Tribunais Pátrios no sentido de debelar o atraso na prestação jurisdicional, a exemplo da Semana Nacional da Conciliação e, mais recentemente, da Meta 2, que se propõe a finalizar, neste ano, todos os processos distribuídos até dezembro de 2005, na justiça de primeiro grau e nos Tribunais Superiores, inobstante a falta de recursos materiais e humanos, que afeta a estrutura do judiciário no País, para cumprir com o desiderato. Afinal, não se pode acabar, em poucos meses, um acúmulo de processos que cresce há décadas, com os mesmos recursos disponíveis, cuja deficiência é sua causa principal.

    Por seu turno, o Poder Legislativo, pressionado pelas queixas de leis processuais ultrapassadas e burocráticas, vem promovendo alterações e reformas importantes que simplificam a tramitação dos processos judiciais, suprimindo ou dificultando procedimentos inúteis ou protelatórios. A profunda alteração introduzida no Código de Processo Civil com a edição da Lei de Execução de Sentença, lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005, bem como das leis nºs. 11.276 e 11.277, ambas de 07.02.2006, são bons exemplos de combate à tão propalada morosidade da justiça.

    Todavia, nem tudo são flores na atuação legislativa. Por vezes, são editadas leis que, embora atendam interesses outros, geram em contrapartida um aumento considerável na demanda jurisdicional para os julgadores, como aplicadores destas leis, sem que estes recebam recursos materiais e humanos adicionais para enfrentar o acréscimo, sendo inevitável o acúmulo de processos.

    Foi o que ocorreu em nosso Estado com a edição da nova Lei de Organização Judiciária pela Assembléia Legislativa. Havia antes, nesta capital, duas Varas Especializadas de Defesa do Consumidor, já assoberbadas com a monstruosa demanda de ações relativas às relações de consumo, uma média de setecentos processos novos por mês para cada uma, como conseqüência de uma outra lei, a que criou o Código de Defesa do Consumidor. Com o advento daquele diploma legal, as referidas Varas, como as demais em todo o Estado, tiveram sua competência ampliada, assumindo o julgamento de diversas ações que antes competiam às Varas Cíveis, sendo criadas, na capital, mais quinze, todas denominadas de Vara de Relação de Consumo (Lei 10.845, de 27.11.2007, art. 69), a serem instaladas progressivamente e após a alocação de recursos na proposta orçamentária do exercício correspondente, não admitindo qualquer acréscimo de despesas com pessoal acima do limite de 6% previsto no art. 20, II, b, da Lei Complementar 101/2000, segundo disposição expressa dos arts. 312 e 316 da nova lei.

    Ocorre que, conforme amplamente divulgado, não há recursos orçamentários dentro do citado limite para custear as despesas decorrentes da instalação das novas Varas de Relação de Consumo, situação esta que já se verificava antes da vigência da nova lei, transparecendo a idéia de que o legislador não se preocupou com a eficácia dos citados dispositivos legais, ampliando a prestação do serviço jurisdicional sem o correspondente recurso financeiro para o custeio.

    A solução do impasse foi abrir mão do aumento da prestação do serviço judiciário preconizado pelo legislador e atribuir competência cumulativa as já existentes Varas Cíveis para os feitos de relação de consumo, juntamente com as duas pré-existentes desta área.

    No tocante à modificação da competência das Varas Cíveis não me parece ter sido a melhor saída, porque representou um retrocesso na organização judiciária, na medida em que, ao invés de promover a especialização da jurisdição, reclamada por uma comarca de entrância especial, com quase três milhões de habitantes, como ocorre nas outras áreas da ciência, acumulou em um só Juiz que não dispõe de assessores jurídicos - competência em diversos ramos do direito, reduzindo-lhe a produtividade judicante, o que não ocorreria se a mesma alteração incidisse apenas em parte das Varas Cíveis existentes, até que surgissem os recursos financeiros para a instalação das outras Varas de Relação de Consumo. Na verdade, convém lembrar que é muito difícil administrar com insuficiência de recursos.

    Outro exemplo de atuação legislativa que agrava a morosidade da justiça, ante à criação de novos recursos e procedimentos judiciais a serem julgados, resultou da Nova Lei do Mandado de Segurança, Lei nº 12.016, de 07 de agosto de 2009. Confiram-se os seguintes exemplos.

    Em seu artigo primeiro o novo estatuto ampliou o leque de pessoas que podem demandar e serem demandadas em ações mandamentais, incluindo entre aquelas as pessoas jurídicas de direito privado e no outro pólo os representantes de partidos políticos, o que implicará em acréscimo de ações mandamentais nas mesas dos magistrados.

    Poder-se-á o mesmo afirmar face às alterações contempladas no art. 5º da nova lei, ampliando o objeto do mandamus, para permitir sua impetração quando o ato administrativo ou a decisão judicial não desafiar recurso com efeito suspensivo, inovação esta que, além de desnecessária, já que este mesmo efeito poderia ser obtido perante o julgador competente para apreciar o recurso, nos casos previstos pela lei processual civil, vai gerar também aumento de demanda judicial sem o correspondente acréscimo de recursos aos julgadores, até porque há uma tendência em se resolver tudo através do remédio heróico, que não deve ser desfigurado de sua missão constitucional para substituir as vias judiciais típicas e previstas no sistema processual civil.

    Mas não é só na esfera cível que atuação do legislador implica em aumento de demanda por prestação jurisdicional. O mesmo efeito ocorre quando são editadas leis penais, tributárias ou administrativas, dando ensejo, por vezes, a ações diretas de inconstitucionalidade perante as Cortes Superiores ou mesmo nos Juízos de primeiro grau, onde a inconstitucionalidade é invocada como matéria de defesa, ou porque, simplesmente, criado por lei determinado direito ou obrigação, logo aparecem os interessados batendo às portas da justiça.

    Diante dessa realidade depara-se com uma outra em direção contrária e que é o complicador de todo o sistema legislativo e judiciário. É que, diferentemente dos demais Poderes da República, o Judiciário não dispõe de autonomia financeira para enfrentar a crescente demanda por jurisdição, uma vez que está obrigado pela Lei de Responsabilidade Administrativa a respeitar o limite de 6% previsto na Lei Complementar 101/2000 para despesas com pessoal, verba esta que, no caso do Estado da Bahia, é insuficiente para custear até mesmo as necessidades básicas da justiça, impedindo a nomeação de novos servidores para preenchimento dos cargos vagos há anos, apesar do esforço heróico e constante da Presidência do Tribunal de Justiça em reduzir custos e despesas.

    A conclusão a que se chega é de que urge aumentar o percentual da receita ou brevemente o funcionamento da justiça entrará em colapso, salvo melhor juízo.

    Moacyr Montenegro Souto

    Juiz de Direito/Salvador

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